Seria o cancelamento o novo bullying dos dias atuais?
Essa é a primeira matéria assinada pela Agência de Comunicação Jovens Comunicadores! Vem ver!
Atualmente, muito se debate nas redes digitais sobre a “cultura do cancelamento”, na qual é enfatizada uma atitude errada de uma pessoa ou de uma marca. Desse modo, o cancelamento se resume a boicotes e linchamentos virtuais. Tal movimento tem o intuito de cobrar por mudanças de comportamento, principalmente, no debate das pautas sociais como: racismo, LGBTfobia, capacitismo, gordofobia, machismo, misoginia, dentre outras formas de violência.
Essas atitudes são vistas como uma maneira de grupos oprimidos cobrarem por mudanças efetivas advindas da pessoa ou da marca que tenha um comportamento que viole ou desrespeite grupos sociais. Entretanto, o cancelamento não se pauta apenas em feitorias positivas, podendo ser perigoso tanto para a pessoa que está sendo alvo do cancelamento, quanto para a validação do debate de determinado tema.
Muitas vezes, o cancelamento ocorre de maneira rápida e alvoroçada. Isso se deve ao imediatismo acirrado, pela demanda de novas notícias a todo instante presenciada no ambiente digital. Tal ação acaba tirando o local de defesa da pessoa ou marca cobrada, a mesma não tem lugar para se redimir ou corrigir. As cobranças, que de início possuem cunho corretivo, acabam por sua vez sendo excedidas pelo “massacre virtual”. Sendo assim, qualquer pessoa está sujeita a ele, pois todas estão sujeitas ao erro. Dessa forma, o ambiente virtual acaba se tornando um tribunal sem advogados de defesa, e ele se intensifica quando é por sua vez estendido a família e amigos do cancelado.
A cultura do cancelamento, devido a tais aspectos, vem se mostrado mais
prejudicial do que positiva para os importantes debates sociais. O erro deve ser apontado para que venha a redenção, porém, tal apontamento deve ser feito de forma inteligente e concisa, para que desse modo venha o resultado esperado.
Dentro dessa narrativa, é importante analisar e relatar que a predominância da violência virtual acaba afetando a saúde mental dos internautas, pois a internet se torna um lugar de opressão. Contudo, a dúvida que fica é: no meio de tanto oprimido, onde estão os opressores? Será que esses internautas já estiveram nessa posição?
As pessoas mais vulneráveis ao cancelamento são minorias sociais. Funciona também como uma forma de reforçar estereótipos, de silenciar e omitir violências para com seus corpos e vidas. Dentre os atos que englobam o cancelamento há também aqueles que propagam diferentes tipos de violência como o racismo e a LGBTfobia, o que é considerado crime.
É inegável que existe a necessidade de diferenciar cancelamento de crime, pois, algumas pessoas acabam disseminando preconceitos sociais inaceitáveis, e as mesmas precisam ser penalizadas, conforme as leis vigentes do país.
A palavra “cancelamento” vem sido atrelada a palavra “bullying”, porém ambas são distintas, na qual o cancelamento é dado por uma atitude tida como errada por um grupo de pessoas; já o bullying surge através da inferiorização do outro, às vezes por meio de características físicas ou mentais, são atos repetitivos, e essa violência pode ser física ou psicológica, com o intuído de ferir e diminuir.
Há algumas décadas pouco se era debatido sobre o bullying, o que acarretou na normalização de tal ato. Ele pode se estender a diversos espaços sociais, tais como: escola, ambiente virtual, trabalho, ambiente doméstico, dentre outros. Essa ação causa marcas que, em algumas situações, não se apagam, o que pode acarretar em problemas psicológicos e ate mesmo físicos, como por exemplo: baixa autoestima, depressão, medo, ansiedade, insônia, dificuldade de socialização e, em alguns casos, o suicídio.
Entrevista
Como exemplo desses processos excludentes na sociabilidade cotidiana em certos espaços de convivência, apresentaremos o caso de Alberto Rodrigues, 38 anos de idade e estudante de publicidade. Alberto nos conta que há alguns anos, em determinada disciplina de seu curso, em uma sala de 23 alunos ele e outros dois eram os únicos negros no espaço, sendo ainda um dos alunos mais velhos, vindo transferido de outra faculdade e já entrando direto no 2º período do curso de Publicidade e Propaganda. A diferença de faixa etária, em seu entender, foi o fator que mais pesou contra ele no novo ambiente.
As afinidades na turma já estavam formadas, e não houve uma abertura para incluí-lo nem da parte dos colegas e tampouco de uma das professoras, que à época não apenas deixou de se mobilizar minimamente para inseri-lo na turma de forma devida, o que ele esperava que fosse seu papel como educadora, ainda fez o contrário: “ela contribuiu muito com esse bullying”, nas palavras de Alberto. À época com 36 anos, sentiu-se retraído quando a professora o impediu de entrar nos grupos de trabalho e sugeriu que saísse de sua disciplina em virtude de ter entrado no meio do período, enquanto seus outros professores o receberam bem, mesmo nessa condição.
A diferença de faixa etária, em seu entender, foi o fator que mais dificultou sua inserção no novo ambiente. Seus colegas, por exemplo, não queriam incluí-lo em seus grupos. Além disso, ele conta que o fato da professora o excluir de um dos trabalhos resultou em sua reprovação. Chegou a recorrer à sua supervisora de curso, e apesar desta alegar que iria conversar com a docente em questão, não obteve mais resposta. “Eu sempre pedi resposta a respeito disso, que senão ia tornar público o que aconteceu comigo, mas até hoje não me deram resposta. Continuo fazendo matérias com essa professora mas não mantenho um relacionamento, como mantenho com os outros professores”, ressaltou o estudante.
Histórias como essa são comuns, diversas outras pessoas vivem em situações parecidas em seus cotidianos. Por conta disso, o diálogo acerca de tais questões precisam estar em pauta, dentro da sociedade. Em todo caso, deve-se buscar soluções para que cancelamentos e situações de bullying sejam cada vez menos frequentes. A empatia e a comunicação são uma alternativa, e devem ser a base de qualquer tipo de relação. Empatia para se colocar no lugar do outro e comunicação para ter a liberdade de falar, mas também, saber ouvir.