Ao longo da história o espaço da escola mostrou seu potencial de ser violento e excludente para determinadas pessoas, especialmente as que não se enquadram dentro dos moldes sociais predestinados. Há décadas atrás, por exemplo, mulheres não tinham acesso à escola; pessoas com deficiência eram segregadas do resto da sociedade em “escolas especiais” e ainda hoje enfrentam extrema dificuldade para encontrar acessibilidade nas instituições de ensino; a população negra com o racismo estrutural é posta nos cargos de trabalho mais precarizados com menores salários e, por isso, no geral estão ocupando as escolas públicas com ensino e espaço físico também mais precarizado pela falta de investimento. Desse modo vemos que a partir dos seus marcadores sociais a experiência da escola pode ser vivida com maiores ou menores dificuldades enquanto estudante.
Quando se pensa sobre a questão da inclusão do debate de diversidade de gênero e sexualidade nas escolas, nos deparamos com uma grande resistência para o avanço deste assunto. Em contrapartida, vemos no cotidiano brasileiro como existe hoje um despreparo e uma negligência a respeito com pessoas LGBTI+ nos ambientes escolares, o que resulta em sucessivas violências para esse grupo.
Haja vista, é central a elaboração de políticas que busquem ampliar os debates acerca da diversidade de gênero e sexualidade dentro das escolas, para que se haja um novo recomeço e uma nova narrativa de sociedade, a qual fuja da realidade vigente no país, onde pessoas LGBTI+ vivenciam diferentes formas de marginalização. Negar e reprimir a existência de múltiplas diversidades é outra forma de violência, não somente para a comunidade, mas também para a sociedade como um todo. Uma vez que a recusa de debates sobre as diversidades, se mostra presente em dados alarmantes no que tange a violência contra corpos dissidentes, assim, cabe mencionar que, segundo dados levantados pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais) no seu dossiê de assassinatos de 2020 contra pessoas trans, em um panorama internacional Brasil está no topo dos países que mais notificou morte de pessoas trans/travestis e demais dissidentes de gênero e sexualidade do mundo.
Por outro lado, partidos e entidades comprometidos com uma educação libertadora e não alienante, buscam implementar formas de capacitar e preparar de fato profissionais e também estudantes para uma realidade ignorada e marginalizada dentro da sociedade, uma dessas políticas, pode ser compreendida e também contemplada dentro da educação sexual. Contudo, há algumas décadas vêm sendo fortalecidas as bancadas centralistas e evangélicas que compõem o campo da direita na política do Brasil, e que centra afirmar querer a proteção das crianças/adolescentes da “doutrinação nas escolas”. Com isso, insistindo de forma infundada que dentro dos âmbitos escolares são ensinados sobre valores anti-cristãos, marxistas e que fazem crianças/adolescentes “virarem” homossexuais, nesse caminho em 2016 foi criado um Projeto de Lei (PL) nomeado de “Escola sem Partido”.
Tendo esse PL em mente, cabe ressaltar que a mesma não só limita a autonomia de professores e pesquisadores da educação, no geral, de participar da construção de uma ementa essa a qual as escolas venham a ser críticas e formem indivíduos pensantes. Estando assim, alinhadas ao que o campo da educação já vem debatendo há décadas, sobre qual deve ser o papel das escolas na sociedade. Tal problemática contribui para a manutenção do silenciamento e da negligência das violências às quais pessoas LGBTI+ estão submetidas historicamente nos espaços educacionais.
A tentativa de criar uma escola alienadora e que não pensa os diferentes corpos que compõem esse espaço, é um projeto de educação conservadora que busca conservar os privilégios sociais [esses os quais consistem na estrutura colonial, racial, de gênero e cisheteronormativo] e políticos dentro da nossa sociedade. Esse projeto é possível de ser visto, inclusive, nas fake news espalhadas durante as eleições presidenciais de 2018 pelo candidato e atual presidente Jair Bolsonaro, sobre o “kit gay nas escolas”, que nada mais foi que uma forma criada para adotar uma ideia negativa e mentirosa a um Projeto de Lei que buscava incluir as discussões de diversidade de gênero e sexualidade nas escolas.
Para compreender um pouco mais sobre a realidade da qual abordamos, de como as escolas podem ser tornar um lugar violento para jovens da comunidade LGBTI+, trazemos a experiência de Skia Venancio, ume jovem comunicadore de 22 anos, estudante de Filosofia na Universidade Federal Fluminense, elu se identifica como uma pessoa trans não-binária e como bissexual.
Relembrar e falar sobre suas cicatrizes até hoje lhe causa sofrimento, ainda quando criança dentre seus cinco a dez anos, relata ter sofrido violências múltiplas acerca de sua identidade de gênero e sua sexualidade, ainda na educação fundamental I. O processo de descoberta de uma pessoa LGBTI+ vem desde antes da pessoa se identificar como tal, basta apenas ela fugir dos moldes cisheteronormativos – o pacto social pré estabelecido, isso consiste na bipolaridade de mundos, sejam eles masculinos e femininos, e reduzidos a paleta de cor azul e rosa.
Porém, o que se deve fazer e pensar quando você não se identifica com nenhum ou com os dois mundos existentes? A fusão que ocorre de forma desconexa entre gênero e sexualidade é muito violenta para corpos LGBTI+, cabe ressaltar que identidade de gênero é como você se identifica e se enxerga enquanto ser humano, e orientação sexual é a forma como você expressa afetivamente sua sexualidade. A identidade de nenhuma pessoa pode ser atribuída a uma cor em específico, isso violenta a existência de múltiplas diversidades e identidades.
Skia relata que ainda criança era pressionade e colocade contra a parede por não expressar feminilidade – cabe frisar que estamos falando de uma criança, desse modo, elu sofria bullying e era excluíde de círculos de amizades, pois ninguém queria ficar perto uma “lésbica ou menina macho”. Em seu fundamental II as violências continuaram e, para evitar sofrer retaliação, passou a reprimir sua sexualidade que até então, nem elu conseguia pontuar ao certo.
Ao chegar ao ensino médio passou a ter contato com outras pessoas da comunidade, e foi onde conseguiu se entender e aceitar enquanto bissexual. Quando se deparou com o mundo universitário, pode compreender e estudar mais sobre diversidades, e nesse período foi quando se entendeu enquanto uma pessoa não-binária. Apesar da conquista de conseguir ir tão longe, sendo atacade por diversas opressões sociais que ferem corpos pretos, transgênero e bissexuais, Skia relata: “A pauta da sexualidade e gênero sempre foram um questão para mim, e eu não tive nenhuma rede de apoio dentro das escolas que estudei, a rede de apoio que encontrei foi eu e depois meus amigues”, concluiu.
Apesar dos avanços sociais adquiridos com muita luta, ainda há uma associação muito forte de que qualquer expressão sexual e de gênero que fugisse dos padrões da sociedade definidos para o homem e a mulher (cisgêneros), era considerado anormalidade, ou até mesmo doença e se utilizam disso para atribuir uma relação de perigo em relação a comunidade LGBTI+ com as crianças/adolescentes. Porém, estudos científicos e sociais mostram que não é bem assim. A sexualidade é diversificada, varia de pessoa para pessoa e tem uma dinâmica própria em cada ser humano, podendo surgir de maneiras diferentes ao longo de uma vida. O âmbito escolar é um dos principais lugares de construção dos saberes de crença, incluindo de identidades e, dessa forma, é um dos lugares que a criança descobre as diferenças, sobretudo sobre as diversas possibilidades de ser quem é.
Há uma extrema resistência ao se falar sobre diversidade dentro dos ambientes escolares, visto que a maioria da sociedade enfrenta tal temática como um incentivo às crianças e adolescentes se tornarem homossexuais. No entanto, não é isso que se pretende ao discutir sobre este assunto, mas sim buscar inclusão, respeito, conhecimento, direitos, proteção e também oportunidades para essas pessoas que sofrem tanta exclusão, discriminação, e preconceito na sociedade. A promoção deste ensino, desde o ensino fundamental I é de extrema importância, pois é neste momento que as crianças começam a ter curiosidades, dúvidas, e buscas por respostas de forma rápida, e contínua sobre assuntos. Porém, muitas vezes não existe abertura dentro das famílias, para que determinados assuntos sejam abordados.
Por conta disso, muitas crianças e adolescentes já crescem com o preconceito entranhado dentro dos seus lares, sem ao menos ter a oportunidade de adquirir ferramentas de conhecimento para que de forma autônoma tenham condições de construírem seus próprios pensamentos. Nesse sentido, uma educação crítica se torna tão importante no desenvolvimento e aprendizado de todo o coletivo, uma vez que é nela que passamos grande parte dos estágios iniciais da vida e, portanto, cria a possibilidade de nos formarmos enquanto sujeitos.
Por outro lado, há ainda um extremo despreparo de profissionais nas escolas para lidar com tais diferenças e impasses que também irão surgir no dia a dia em sala de aula. Com isso é perceptível que o ambiente escolar não só precisa lutar para não retroceder, como também tem que repensar internamente em quais campos precisa avançar. Cabe aos educadores utilizarem de estratégias como rodas de conversas para que os alunos possam se abrir, debater sobre o tema, aprender conceitos, e também para que possam adquirir um senso crítico.
Precisa-se também que fomentem os espaços autônomos nas escolas, como coletivos de estudantes, onde eles possam ter trocas e desenvolvam debates internos, pois ao abrir o leque de possibilidades para metodologias interativas, fugindo padrão metodológico, a aprendizagem se torna mais rápida, e também divertida, dando oportunidade para cada um expressar um pouco do que pensa, o que aprendeu através daquele exercício, e também o que pensava antes de ouvir cada ponto de vista diferente do seu. Atividades como essas são essenciais para combater a discriminação e pensar fora da caixinha, sem ter medo do que vão pensar. Esses atos trazem coragem, interação, confiança, liberdade de expressão e fazem com que crianças e adolescentes se sintam livres para contribuir na troca de ideias e informações dentro da sala de aula, e com os colegas de classe.
Deve-se buscar por uma escola que garanta o direito à aprendizagem de todas as crianças e adolescentes, independentemente do modo como falam, andam, pensam e lêem. Que respeite também a origem, religião e condição humana de cada indivíduo. É de extrema importância que haja o desenvolvimento de uma consciência crítica e práticas relacionadas ao respeito à diversidade de gênero, sexualidade e aos direitos humanos.
Mas, por outro lado, na sociedade em que vivemos como um todo presenciamos as diversas formas de opressão a comunidade LGBTI+, o que se vê de LGBTIfobia nas escolas nada mais é que um reflexo do que se produz fora dela.
Pensar um futuro onde nos vejamos livres das violências de gênero e sexualidade não irá depender unicamente da mudança para um currículo escolar mais inclusivo. A educação precisa ser disputada para ser um espaço mais acolhedor, mas não é nela que a violência começa e nem termina, precisamos pensar numa mudança de postura e pensamentos no cerne da sociedade, acerca da imagem que se cria no senso comum sobre corpos de pessoas LGBTI+ e o lugar de subalternidade a que colocam. Dessa forma, então, conseguiremos construir uma nova maneira de se relacionar com a diversidade de pessoas.
Texto por Zuri Rabello, Gabriel Moreira, Alessandra Pereira e Maria Luiza Aquino, para Agência Jovens Comunicadores.
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