Basta, “ou eu te mato”

Se você chegou até aqui, no terceiro e último capítulo da série “Se precisar fugir, me escreva…”, já sabe bem quem eu sou. Sou uma representante inventada do que assusta a nós Jovens Comunicadores. Uma ficção que nenhum deles quer viver: a dor de perder uma amiga ou amigo ainda na infância. 

Eu me chamo Nicole, perdi a Vitória, e a partir daí busco saber o que faz nossas crianças quererem fugir de casa. Elas me escrevem, em alguns casos, eu apuro com o Conselho Tutelar. E a partir daí, desses relatos, tudo são histórias reais. A violência sexual está em vários desses casos. A estatística divulgada pelo governo brasileiro conta a cada uma hora quatro casos de estupros de meninas de até 13 anos. Mas a realidade é pior, subnotificada por medo, vergonha ou descrença na justiça. 

Escolhi três histórias de violência sexual. Cada uma delas nos conta um pouco de algo mais complexo: como interromper o abuso e dar um basta.

Uma criança começou a ser abusada aos 10 anos. “O pai pedia carícias”. Sim, basta qualquer ato libidinoso que, desde 2009, pela lei nº 12.015, já se enquadra como estupro de vulnerável, especialmente para menores de 14 anos.

O impacto é para a vida toda. Mas infelizmente, desde 2018, alguns tribunais vão chamar de “importunação sexual” e dar punições menores. São idas e vindas, num país que, só em 2005 tirou a expressão “mulher honesta” da lei. (Veja aqui o vídeo da câmara dos Vereadores sobre o assunto)

Neste caso, o avô paterno bancava a escola, o plano de saúde, muita coisa. Mas quando foi feito o registro contra o filho ele ficou ao lado do primogênito, deixando a neta e a mãe dela desamparadas. 

Essa menina teve um pai? Teve um avô?. Se você suspeita que uma criança está sendo vítima de estupro denuncie, pode ser seu filho, sem fazer nada você vai estará sendo cúmplice de uma coisa horrível. O caso será investigado. E se a vítima depende do dinheiro do abusador ou um familiar, a justiça e o Conselheiro Tutelar podem prover um auxílio para despesas. Procure se informar com um Conselheiro Tutelar.

Existe uma justiça paralela em nossas cidades para onde nenhum de nós deveríamos ser levados.

O segundo relato desse texto mostra que na falta da justiça oficial, nossas cidades arriscam seus jovens à justiça paralela. O caso envolve uma garota de 13 anos e o primo dela, um pouco mais velho. Na audiência da justiça oficial ela disse que não teve consentimento, o que nem precisava por ser menor de 14 anos. Mas como sempre o agressor disse que  ela quis. Duas pessoas e as suas palavras. Os pais se dividem: mãe apoia filha e o pai, o sobrinho. ” Quem mandou você estar naquele lugar com o seu primo?”  “Porque você estava vestida daquele jeito?” Quem nunca culpou a vítima? Isso se chama violência psicológica.

E a família sai do Brasil oficial e entra no paralelo, volta para casa e visita o  tribunal do tráfico. A mãe leva a filha sob ameaça. Uma roda de homens  foi feita e a menina, exposta ao agressor e ao pai. Eles julgaram que os jovens mereciam uma surra. 

O Conselho Tutelar sugeriu ao Ministério Público que o pai fosse afastado imediatamente do convívio da filha. O pai foi afastado pela violência psicólogica e o primo já tinha sido afastado pela violência sexual.

Até aqui vimos muitas histórias de membros da família que ficam ao lado do agressor. A primeira história que foge a regra vem em seguida.

Encerramos a série com um caso que atravessou várias gerações: avó, mãe e filha, que tiveram pais abusadores. Pela primeira vez  eu li uma história em que a família ouviu e acolheu as palavras da vítima. Dessa vez o abusador estava muito enganado quando dizia: “Ninguém vai acreditar em você”.

Escrevo emociona porque não é só uma pessoa que sofre a violência. “Preciso que você durma aqui em casa”. E quantas vezes a própria mãe insistia para a filha ir para a casa do pai, ajudar o camelô a se preparar para o corre em Niterói. Mãe, irmão, muitos são traídos na violência em casa. O agressor conta com a triste situação de que nós não vamos acreditar na verdade dura que revela a ferida que é de várias gerações.

Minha amiga no twitter não soube quando tudo começou exatamente. Mas se lembra muito bem que aos 17 anos ela soltou as palavras de revolta: “Nunca mais piso na sua casa, nunca mais falo com você. E também não fale com meu irmão ou eu vou te matar.” Foi o basta nessa situação, uma baita coragem, né? Foi o fim de um esgotamento físico e mental. Mas também o desabafo à mãe e à avó, que souberam ouvir. Já conheciam um pouco dessa história na própria pele. Não sei como foi para elas. Mas não deve ter sido fácil reviver com a filha e a neta o passado. 

Não bastasse, fazem cinco ou seis meses que a jovem e o seu irmão decidiram ir à casa da nova esposa do estuprador e contar o perigo que ele representava. Os sinais sempre foram aparentes, mesmo ele a chamando de filha preferida e inteligente. Só faltou virar a chave, ela conseguiu, mas infelizmente as marcas ficaram.

Que história pesada! Nunca vai ser só mais uma vítima e essas marcas ficam também na nossa cidade. Que esse basta seja um basta definitivo dito por todos nós..

Terminamos esta série reforçando a recomendação principal. Se você souber de alguém que sofre algum tipo de violência, denuncie, essas pessoas podem ter traumas para o resto da vida. O silêncio é cúmplice. Se precisar fugir, ligue para o disque 100 ou 180, procure o Conselho Tutelar, encontre alguém de confiança para compartilhar o seu sofrimento. E se precisar, me escreva.

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