Leandro Firmino: “Não tem como fugir do racismo”

Por Paula Latgé, Jornalista.

Leandro Firmino é homem, negro, pai, ator e eternizado pelo público ao interpretar o personagem Zé Pequeno no filme “Cidade de Deus” (2002). Atualmente, está gravando a segunda temporada da série “Impuros” da Fox, onde vive Gilmar, um homem trabalhador que entra para o crime após perder o emprego em uma fatalidade. E dá vida a Tomás, um policial civil  na novela “Órfãos da terra“, da rede Globo.

Decidido a apoiar a campanha QualPerfil? de enfrentamento ao racismo estrutural, Leandro nos conta um pouco sobre suas primeiras experiências profissionais, debate sobre o racismo e seus danos, a falta de representatividade negra no cinema e televisão e nos convida a refletir sobre a questão: #Qual Perfil?

Zé Pequeno, personagem imortalizada pela atuação de Leandro firmino em “Cidade de Deus”

01) Quem é Leandro Firmino?

Quem sou eu? Depende do dia, depende da circunstância, depende do personagem. É muito relativo. Não tem como o ser humano se definir de forma exata. Podem passar mil anos e você não saber quem é. Na minha vida, eu me esforço constantemente para ser alguém melhor.

02) Com quantos anos você começou a trabalhar?

Comecei a fazer alguns trabalhos aos 17 anos, naquela época a gente chamava de bico, embora meus pais não tenham obrigado eu e meus irmãos a trabalhar desde cedo. Eles deram tempo para que a gente pudesse estudar e fazer cursos. Quis trabalhar para poder juntar uma grana para sair, viajar. Eu gostava de viajar todo final de ano. Acho que foi no serviço militar obrigatório que comecei realmente a ter uma rotina de trabalho, que ao mesmo tempo pode ser tanto gratificante quanto árduo. Embora eu tenha ficado só um ano, foi meu primeiro trabalho mesmo, ali eu senti legal que a vida é muito dura.

03) Como foi iniciar no cinema? Alguma vez você sonhou ou se imaginou nessa profissão?

Na verdade eu nunca tinha me imaginado trabalhando com cinema. Eu sempre falo para as pessoas que quem está de fora enxerga todo um glamour, mas não é assim, é um trabalho. No ano 2000, quando surgiu a oportunidade de um teste, participei de uma oficina que durou mais ou menos três meses. Eu enxerguei aquilo como uma oportunidade de trabalho. Eu tinha 21 anos, ia completar 22 e até hoje enxergo a profissão de ator como um trabalho.

04) Você já sofreu com o racismo?

Eu sofro com o racismo diariamente. Agora no momento eu estou na rua, atravessei, soltei na central e vim caminhando até o posto de saúde perto de onde minha esposa trabalha e observei que a maioria das pessoas em situação de rua, que não tem onde viver, não tem onde morar e não trabalham, são pessoas de pele negra, assim como eu. Então isso me afeta. O racismo está diretamente relacionado comigo. A partir do momento em que eu vejo alguém da minha cor na rua em péssimas condições, isso acaba me afetando. Então eu sofro com o racismo todos os dias quando saio para a rua. Não tem como fugir disso.

05) Uma frase muito comum que jovens negros escutam no mercado de trabalho é “Você não se encaixa no perfil”. Você já escutou isso alguma vez?

Não, pessoalmente nunca escutei isso, porque a maioria dos trabalhos iniciais que tive eram bicos e com 18 anos fui para o serviço militar obrigatório. Logo em seguida trabalhei algum tempo como boy. E nos anos 2000 comecei a trabalhar como ator.

Mas toda vez que acho que o jovem negro ouve isso, ali dentro dessa frase tem uma série de informações de efeito negativo. Por exemplo: você não se encaixa nesse perfil. Na verdade, infelizmente no Brasil se a gente olha, o tempo todo nos perfis, nas lojas ou nos trabalhos braçais é sempre uma pessoa, com aqueles estereótipos, que vai trabalhar com isso. Às vezes não são só as qualificações que você tem ou o grau de conhecimento, às vezes é o tipo físico. Por exemplo, toda vez que vou ao shopping, os negros que vejo trabalhando nas lojas são sempre negros que têm a aparência que chamam de “negro com aparência de branco”, tem uma pele mais clara, traços mais finos. E isso é ruim.

06) E como você imagina que esse quadro possa mudar?

Primeiro, eu acho que esse quadro só pode mudar com a transformação de mentalidade da população. Segundo, através da educação, construir escolas, valorizar os profissionais da área de educação, para que esses profissionais possam trabalhar melhor, para que os alunos e jovens que estão na escola possam sentir prazer por estar no ambiente escolar também. Porque eu tenho um garoto de 7 anos e meu filho até gosta de ir para escola, mas não vejo ele comentar que ele sente prazer de estar na sala de aula. Então acho importante trazer o prazer da vontade de estudar, para poder daqui alguns anos ser algo que possa existir dentro do ambiente escolar.

07) O que você acha da representatividade dos perfis negros na televisão e no cinema?

Não existe muito. Ainda estamos meio que engatinhando, ainda não conseguimos alcançar o que se espera. Por exemplo, em uma produção de TV ou série de novela, que seja, você vai ver dois ou três atores negros, em um elenco onde a maioria são brancos. Então, acho que ainda estamos engatinhando tanto na TV como no cinema. Eu acreditei durante um tempo que o cinema iria  mudar isso. Só que não estamos produzindo. O problema é que a atriz e o ator negro sempre é chamado para fazer um estereótipo -ou é o malandro, bandido, ou a mulher negra é a empregada doméstica. Nós precisamos, na verdade, ter produções de filme, séries e novelas que tenham negros em papéis de destaque.

Como Firmino comenta, a questão da falta de representatividade negra é muito marcada na comunicação. Sobre assunto a revista #QP fez uma matéria sobre negros na publicidade e outra sobre a representatividade negra no cinema Norte-americano.

08) O que é o racismo na sua concepção?

O racismo, na minha concepção, é achar que o outro é inferior a você porque ele não tem certo tom de pele. Acho que o racismo está muito ligado a isso de você achar que é superior ao outro porque você tem uma cor de pele x e ele tem uma outra cor de pele. No meu olhar, o racismo agrega uma série de pensamentos negativos. Pensar de forma pejorativa sobre o outro, com quem, às vezes, você nunca teve oportunidade de conversar. E também está muito ligado ao controle, a quem deve ter privilégios e quem não deve ter privilégios. Você é branco, tem que ter privilégios, você é negro, não tem. Ou se tem são alguns poucos.

09) Que danos ele causa?

Uma série de danos, danos emocionais, danos de vida. Imagina um garoto e uma menina negros que crescem dentro de uma comunidade assim como eu cresci na Cidade de Deus. Ele cresceu vendo a tv, e quando olha para o cenário político ou empresas, vê que não tem ninguém que o representa. Imagina o emocional, né? Sem autoestima nenhuma. Então, ele vai acreditar que está condicionado só para um tipo de informações negativas sobre ele. Você acha que essa pessoa vai longe na vida, nas suas ambições? Ela vai querer realizar seus sonhos?!

Uma reflexão que fica:

Não é difícil ver as marcas do racismo na sociedade, mesmo para os olhos menos atentos, elas são perceptíveis. É necessário romper com a estrutura que marginaliza o povo negro. É necessário sensibilizar olhares para modificar comportamentos. É necessário se posicionar. Obrigada Leandro Firmino pela sua contribuição para essa reflexão!

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